sábado, agosto 27, 2005

(in)justiça

"i'm trully left alone but somehow, just somehow it feels like my loneliness is a victory over the self-delusion of joy" - draconian - the cry of silence

Clamar por justiça num mundo injusto não é so um exercício de futilidade como também de extrema estupidez, ninguém irá ouvir nossas preces, nenhum deus, nenhum juiz, nenhum ser humano quer saber da nossa dor e se diz o contrário então está a mentir ou procura sentir-se melhor ao expelir de forma obscena a sua culpa para cima dos outros.

Vivemos então num mundo que não ouve as nossas palavras arrancadas em sussuros ou em gritos estridentes de almas magoadas.

Porque continuamos a ser estúpidos e a gritar, a viver como se houvesse realmente justiça para todos, como se fossemos mais do que aquilo que somos, simples seres humanos faltosos e imperfeitos? porque nos refugiamos em lugares comuns para esconder a nossa falta de profundidade, as nossas fraquezas emocionais e mentai, todos aqueles pequenos pontos e coisas que nos causam dor?

Desejar justiça é idiota, nenhuma mão a fará a não ser a nossa, nós construimos a nossa proproa justiça, podem chamar-lhe vingança, podem referir as idiotas ideias pseudo de "dar a outra face"
podem acorrentar o homem com a vossa retórica obsoleta e inútil mas no fundo de tudo, o desejo de "vingança" ergue-se acima de tudo.

Porque não então fazer sofrer os nossos inimigos, aqueles que nos magoam em primeiro lugar? aqueles que desprezamos mais que tudo, a fonte da nossa dor?

é um pensamento que deixo para os leitores

sexta-feira, agosto 26, 2005

vermes

da àrvore do desejo
apenas duas coisas nascem
o fruto da paixão
que apodrece
e cai
moribundo
no chão

(é consumido por milhares de larvas famintas que habitam e parasitam a arvore esperando abocanhar o fermentado fruto, devorando mesmo as sementes, impedindo a árvore de germinar na sua idiótica e parasitária maneira de pensar, destruindo assim a única esperança de serem livres, de se tornarem autosuficientes e deixarem de se devorar, deixarem de debicar as frondosas raizes da árvore e tornarem-se o arauto da sua desgraça.
Vermes desprezíveis, pereçam sob a força de mil sois, morram longe e sintam a dor que infligiram, não há arrependimento suficiente para a vossa raça, estão condenadas a percer, por vossas próprias mãos)

o espinho da dor
cravando-se
na pele
revelando assim
a cor carmesim
que cai infinitamente
para cima
para baixo
para todos os lados

(por todos os lados estamos cercados, vivemos assim na inconstância de algo que se tornou não mais profundo, não mais belo mas sim uma perversa encenação que que desfilamos com mascaras de horror, procurando suplantar todos com nossa horripilante sensação egocêntrica de nós mesmos.
Perfumamo-nos com o sangue dos pobres, cobrimo-nos com as visceras de uma sociedade decadente que ainda se contorcem como se há pouco arrancadas do animal e somos felizes assim, procurando suplantar tudo e todos na nossa repugnante cruzada contra nós mesmos, sem parar para nos apercebermos de quão ridículos somos, o quão patéticos devemos parecer as proprias pessoas que tentamos agradar, para agradar a nós mesmos na nossa imensa estupidez.
Seremos pois diferentes dos vermes? parasitas como eles?)

e no entanto cresce
a árvore
e floresce
o fruto
o espinho
e dançamos todos alegremente
ao som do seu choro
que aprendemos a ignorar

sábado, agosto 20, 2005

Hieronymus Bosch (uma espécie de tributo)

sacrifica tudo o que tens
num momento glorioso
e permanecerás vazio de tudo

nada de novo acrescentado

deseja por um momento

e terás a teus pés
tu próprio
amarrado
não te consegues soltar

nesta gaiola humana
de corpos entrelaçados
em que não podemos tocar
viverás eternamente

caminha por essas pedras
tu que procuras a luz da manhã
consciente que não a encontrarás
apesar dos teus pés em ferida

caminha entre os gigantes
apenas para te sentires pequeno
ante a sua minúscula majestade

entra nessa janela
vê o futuro na casa destruída
e foge
corre

pscicopatologia da palavra
assassinando as construções
desconstruindo dogmas
assimilando paradoxos
prossegue

oh desejoso filho da madrugada
bastardo da mãe lua
eterno caminhante
das ruas sem fim
e dos becos sem saída
(que crias)
para teu incessante e ruidoso canto
deixa a tua voz sarar
não te posso ouvir mais

nesta gaiola
onde uma porta se abre
nada sai
tudo entra
fetal
nado morto
inconclusivo
PERGUNTAS!

deixei de ansiar por ordem?
pelo sentido intrínseco das coisas?
escrevo por escrever para não escrever
na mente?

erras caminhante
navegas em ventos contrários
e no entanto encontras porto
na solidão
do lar do psicopata

intrinsecamente honesto
completamente irreal
surrealidade
tentação
obliterada paixão!

sede!
o rio seca
as palavras esgotam-se
a tela arde
consumida pelas chamas multicoloridas
do desejo de sentir
do desejo de sentido
do desejo...

aponto para algo
mais alto que as palavras
mais alto que tu(do)
aquela surreal irrealidade
de palavras sentidas
talvez
nunca antes ditas
assim
loucamente
por ti

descança agora em paz
fiel memória
e regressa aos tempos de antes
da uterina ignorância
dorme
sonha e descança

segunda-feira, agosto 15, 2005

piano



dançam
fortes mas suaves
os dedos sobre as teclas
gemem e cantam
as cordas tensas
ansiosas por agradar

insegura
a plateia espera
um deslize
uma única errada movimentação
que não chega
das mãos
que como aranhas
se movem
sobre as teclas

sublime caos musical
desconstrucção técnica minimalista
fragrantes melodias
sinfonias eternas
tudo passa pelas mãos do artista
tudo se torna um breve momento de revelação

por detrás das teclas
a figura de negro desaparece
e somos elevados
voamos e descemos
perigosamente
sobre nós próprios

e eis que se aproxima o êxtase
o culminar de uma fuga infeliz
de uma sinfonia patética
a ultima tecla
cai

o silencio de seres espectantes
dura breves dolorosos segundos
ante a ausência daquele som
e
depois de tudo
será que algo resta
se não os fantasmas das notas
vagueando
no rosto do pianista que se verga
nas mentes dos que viram
nos ouvidos dos que ouviram
nos corações dos que sentiram

teremos descoberto
a tão esperada catarse?
naquele momento de silêncio
habitará ela espectante?
quem sabe dizer
senão as notas
que ecoam
ainda
na rua
em nós

ali
sim
está algo

Chamas


irá a chama durar para sempre?
não ardemos todos nos fogos do desejo
e consumimo-nos lentamente
fumegamos alegremente
enquanto dançamos
sobre o carvão incandescente

consumimo-nos
tornamo-nos cinzas
somos e voltamos
a esse pó
primordial
esse nada espalhado ao vento

podemos renascer
fénixes?
ou será que nada cresce
nas cinzas do desejo?

poderá algo
existir
onde cada átomo é destruído
pelo desejo consumido
e espalhado por todos?

não quero ser uma fénix
não quero arder eternamente
e renascer
quero caminhar
insensível
nas fogueiras pagãs
e sair intocável

quero estrangular a fénix com minhas mãos
mostrar-lhe de perto a morte
e no meu seio guardar o seu corpo quente
recordação permanente
do meu antigo eu
purificado pelo fogo

ergue-te agora
anti-fénix
torna-te o assassino
daquilo que em tempos amaste
pega na faca e espeta-a fundo
no coração dos outros
sabendo contudo
que
na realidade
a espetas no teu

domingo, agosto 14, 2005

Ícaro


(Voar
por aquele breve segundo
com a leve brisa dos quatro
com o sol a brilhar
lá bem no alto
exigindo a libertação)

Ícaro
salta

cada vez mais alto
em frenética corrida
sentindo a adrenalina
gritando em plenos pulmões
"FINALMENTE LIVRE!"

saboreando cada fôlego
cada nervo percorrido pela sensação de prazer
Ícaro voa!

todos os membro contorcidos
pelo esforço
o suor que lhe escorre pela cara
nunca soube tão doce
Ícaro ascende

aspira o ar cada vez mais rarefeito
abraça lentamente a luz tão divina
torna-se uno e ascende ascende ascende!

Ícaro cai
Ícaro morre
com um sorriso nos lábios
sabendo que sentiu
por um breve momento
o abraço dos raios matinais
que combateu contra o rei sol
e não perdeu

Ícaro sorri
e o seu corpo adorna as rochas
em estranha meditação
até o tempo vir
e o roubar do seu sol

no vento silente
um sussurro quente
ecoa através dos tempos
"vale a pena lutar
vale a pena morrer
se tocares o sol"

e no auge dos tempos
quando os raios do sol
descerem no horizonte longínquo
o frio instala-se na escarpa
mas o espirito e as palavras
de Ícaro, o livre
permanecem
sempre

Ícaro nunca deixou de voar
apenas partiu
para outro lugar

sexta-feira, agosto 12, 2005

solidão


enquanto o sol se ergue
no horizonte infinito
e de meus pulsos abertos
escorre como precioso vinho enebriante
o meu sangue a muito exausto
sinto-me somente

recordando
aquele momento

recordando-te
a ti
e quando fecho finalmente os olhos
e vejo a minha a minha utopia
nascer já morta
o meu ultimo instante
o ultimo pensamento consciente
é daquele momento
em que nos abraçamos
e sorrimos
(agora apenas o sangue e as lágrimas deturpam a minha face)

intensamente (in)humano


vede como nasce um novo sol
neste mundo caótico
de cépticos irreais
que acreditam para além deles

vede o caos erguer-se
aleatoriamente correcto
transcendendo o mundo
em espirais de colorações
que rodopiam
em brilhantes explosões

vede o monocromático futuro
descendo seu manto lentamente
acariciando-nos lascivamente
enquanto esperamos adormecer
para não sentir a violação

vede talvez as crianças mutiladas
as mães de seios secos que as alimentam de terra
e sede felizes
pois não sois vós
ali

acendei a luz
iluminai o caminho
ao fantasma de perdição
que caminha entre nós
dentro de nós
deixai-o libertar-se
sede livres também

orai a vossos deuses
(todos vossos deuses falsos e cruéis)
e enterrem-se na lama das vossas lágrimas
do vosso sangue em ensopa a terra
enquanto se mutilam
com orações e falsas esperanças

sede assim
no caos
humanos
e tremei

quarta-feira, agosto 10, 2005

buraco negro


no canto de todos os sonhos
na sombra de todos os pensamentos
movendo-se predatoriamente
lá estás tu
carnívora
devorando-me

como a chuva que ao cair
revela o lamacento núcleo
saem de mim sentimentos
que julgava perdidos
enterrados bem fundo
nas profundezas do eu

com cada momento de ausência
cada recordação de ternuras adiadas
tudo volta
e o ciclo de dor
essa já tão familiar sensação
recomeça
contigo no centro de tudo
qual buraco negro em que sugas para ti
toda a luz
toda a réstia de esperança
que habitava ainda em mim

consome-me de uma vez
e não assim
aos poucos
lentamente
engole-me sofregamente
como um vicio
deixa meu sangue escorrer
por teu queixo
devora-me
trás-me
enfim
a paz

dentro de ti
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