quarta-feira, fevereiro 23, 2005

tudo e nada

sangue
lágrimas
uma mescla
de obscenos fluidos corporais
espalhada sobre mim
a minha frente
do meus olhos e veias abertas que derretem
ou parecem derreter
numa poça
que se estende na distância
até a perder de vista
na imensidão de um espaço
que não consigo contemplar de todo
a minha vista perde-se
para além da linha do horizonte
turvo
negro
caio sobre mim próprio
e a minha essência
afogo-me lentamente
calma e conscientemente
sorrindo
enquanto a vida me é drenada
e estendo-me ao comprido
de face para baixo
tentando maximizar
o horizonte perdido.
(e a ultima cor que vejo é o cinzento)

Acordo
suor frio que me percorre o corpo
na absloluta escuridão do meu quarto
a primeira coisa que noto
é a chuva que me bate nos estores
fechados.
a musica
que antes tocava e convidava
ao sonolento descanso
não toca mais
e a minha mente abre-se.
(abre-se ao mundo e a mim)

Apetece-me abrir a janela
e deixar a lua cobrir-me
com o seu véu de carícias
e as estrelas coroarem-me
na sua esplendorosa existência
com explosões incandescentes
mas
abrir a janela
é quebrar a escuridão
é dizer não
é convidar o maldito
amaldiçoado luar a penetrar
na minha pele
nos meus ossos
na minha mente
e dissipar a escuridão do quarto
por isso
deixo-me ficar
aqui
sentado
na cama
e penso
(penso sempre mas a noite convida)

E a minha mente vagueia
pela escuridão das paredes
do quarto.
Torno-me um quarto
torno-me o quarto
deslizo pelas sombras
sem sequer me aperceber da minha existência
(será que existo?)

figuras de um passado presente
e não distante
perseguem-me
observam-me com os olhos
os belos magníficos olhos
cobertos de malícia
e algo mais que não sei nomear
(ou será que não quero?)

e na escuridão
um grito
AINDA ME LEMBRO
e ninguém vem
AINDA ME LEMBRO!
e ninguém veio
e um sussurro
não me quero lembrar
(não me quero esquecer?)

volto a mim
numa frenética e perigosa descida
da escuridão para o vazio do meu corpo
sentado na cama
no quarto escuro
(a escuridão é absoluta, o vazio é absoluto)

ouço um carro
não o consigo ver
pelos estores fechados
para onde vai?
não o sei dizer
mas caminha
para longe
daqui
de ti
(a distância é a solução?)

sinto nas veias
com a pulsação constante
da chuva que cai
a dor
o sangue
o sangue conspurcado por passar por mim
e sinto
o calor
como mil sois que ardem nas minha veias
e o frio
de um cristal de gelo perfeito
alojado nas minhas artérias
e ouço a chuva tentando acalmar-me.
Penso em como seria bom
poder
ter o poder
de o retirar
o algo que sinto
junto com o sangue
que o conspurca
e poder
ter o poder
e nada fazer
(e o coração bate como uma locomotiva)

antes da chuva
tudo me deixou
AINDA ME LEMBRO!

O grito de uma alma perdida
perde-se na distância do nada
o grito do verdadeiro corpo
irrompe duma implosão
em que o peito colapsa
num espaço deixado vazio
uma ruína de um castelo caído
impenetrável
que os anos desfizeram
em cinzas
(quando vier o vento e levar as cinzas o que resta?)

e o corpo explode
numa sinfonia que não sei descrever
e acordo
novamente
e a chuva lá está
a bater agora freneticamente
no sonho dentro do sonho dentro do sonho
que é a realidade.
(nada é real)

e a sensação de abandono
ninguém ouve o grito agora surdo
de um anjo caído
por não querer obedecer as leis do fado
e que sofre pelo girar da roda sobre si mesmo
em si mesmo
quebrando os ossos
quebrando a alma
(será que a tenho?)

antes da chuva a cruel irrealidade da existência de um sentimento
durante a chuva apercebo-me da realidade do sofrimento
depois da chuva(?)

haverá algo depois da chuva?

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

"A cruel irrealidade da existência de um sentimento"

não era o Pessoa k dissia k a falta de nada não é nada (ou diria ele o contrario???)

A gentil matemática nos diz que um conjunto com um elemento vazio é diferente do conjunto vazio...

logo não será a "realidade da inexistencia de um sentimento" um sentimento por si só?
eu sei que sim ...
e não é um assim tão mau, kd nos habituamos a ele...

e não se poderá disser o mesmo ao (sentimento[?]) "A cruel irrealidade da existência de um sentimento"?

isso fica para o "escritor" descobrir ^^

1:12 da manhã  

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