terça-feira, novembro 23, 2004

venus renascida

num passeio pela praia
contemplo soturno o mar
que ondula suavemente
sabendo o que se passa nele

sento-me
contemplo
tudo.
As ondas
As rochas
Um peixe que salta
A linha do horizonte gravada a vermelho sangue do sol poente

e...
inesperadamente
do nada
surge uma figura
que caminha
lenta e insegura
pela água do mar

vejo-me a mim
comum mortal
inserido num quadro
de um artista que desconheço
presenciando
o nascimento da deusa
vénus
a mais bela.

vejo-a deslizar suavemente até a areia
vejo-a dar passos inseguros
vejo-a cair
vejo-a erguer-se
como qualquer criança insegura

estupefacto
contemplo sem voz nem movimentos
(todos os sentimentos que me restam vêm dos olhos)
a beleza daquela figura
que se senta ao meu lado

lágrimas correm-lhe pela face
lágrimas mais puras que eu já vi
lágrimas de saudade e de tristeza

a deusa chora
pelo seu ventre materno
pelo pai mar que a abandonou neste mundo

como posso eu
mero ser terreno e cansado
parar semelhante tristeza
de um ser tão elevado?
como posso parar o desespero dela
que se torna o meu
quando vejo aquelas lágrimas
cair?

aponto-lhe uma estrela
aponto-lhe uma árvore
aponto-lhe uma pessoa que passa ao longe
aponto-lhe uma casa.

E ela parece compreender
(será que eu compreendo?)
que existem razões para viver
sem tristeza
com a alegria de quem vive
para cada dia
e sorri
e agradece
em voz melodiosa
que lembra o mar salgado.

abraço
tão terno
tão quente
tão...
tão perfeito

ah! poder estar sempre assim
ah! que alegria suprema entrelaçar-me nos seus braços
ah! ser feliz assim para sempre

mas o meu sonho
não foi mais do que isso
um desejo de um louco
que não pode ser cumprido
acordo para a vida
só na praia
sem nada a minha volta
excepto
uma figura na areia molhada
com forma humana

terá sido um sonho?
terá?
levo as mãos aos lábios e sabem a sal

não foi...
não foi.
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